Imagina comigo o seguinte cenário: você está em uma das maiores corporações do mundo, com suas regras rígidas e hierárquica. Durante a sua carreira, você enxerga uma oportunidade para a empresa em uma área que é sua paixão, mas eles não acham que isso é muito relevante.
O que você faria? Seguiria as regras e deixaria de lado a ideia? Ou se arriscaria por aquilo que acredita?
Esse dilema foi parte da história do Ken Kutaragi, considerado pai do Playstation, que nos anos 80 decidiu enfrentar a Sony e sua escolha não apenas mudou sua vida, transformou uma indústria inteira.

O engenheiro rebelde
Nascido em Tóquio em 1950, filho de donos de uma pequena gráfica, Kutaragi cresceu desmontando e remontando tudo que via pela frente. Essa curiosidade o levou à engenharia e, em meados dos anos 70, a um emprego nos laboratórios da Sony.
A Sony era, naquela época, um gigante dos eletrônicos (TVs, aparelhos de som, Walkmans), mas videogames? Nem pensar. A alta cúpula considerava jogos “brinquedos”, indignos da atenção de uma empresa séria.
Foi em 1983, quando a Nintendo lançou seu videogame NES, que o Kutaragi teve o estalo de transformar aquilo que era visto como coisa de criança em algo muito maior.

O projeto secreto
Como dentro da Sony, não havia o interesse nesse mercado, Kutaragi decidiu fazer algo um tanto controverso: começou a trabalhar secretamente para a concorrente, a Nintendo.
Isso mesmo. Durante o dia, era um engenheiro da Sony. À noite e nos fins de semana, desenvolveu o revolucionário chip de áudio SPC700 para o Super Nintendo, sem que seus chefes soubessem.
Quando foi descoberto (isso já com o produto em fase de lançamento) os executivos da Sony estavam furiosos, mas o CEO da empresa na época, Norio Ohga, enxergou uma possibilidade no meio da confusão. Como a Sony não tinha interesse no mercado de jogos, para eles isso não representava uma concorrência, tanto que após a situação a empresa firmou uma parceria com a Nintendo.
A traição e a oportunidade
A parceria entre Sony e Nintendo seria para lançarem juntas uma expansão do Super Nintendo, que usaria um aparelho de CD acoplado ao videogame. Apesar de tudo parecer encaminhado, no meio do processo a Nintendo trocou de parceiro e deixou de lado o projeto inicial com a Sony.

Após isso, você acha que a Sony ainda queria alguma coisa com videogame? Claro que não! A maioria dos executivos que já consideravam uma péssima ideia antes, agora tinham certeza:
“Eles não estavam interessados. Eles nos disseram: ‘não façam isso, existem várias empresas e nenhuma delas teve sucesso. Vocês vão fracassar’. Isso é o que eles nos disseram” relatou o engenheiro.
Mas Kutaragi ainda acreditava na possibilidade e, com o voto de confiança do CEO, começou a desenvolver o primeiro console de videogame próprio da Sony.
Revolucionando as regras do jogo
Enquanto a Nintendo permanecia fiel aos cartuchos, Kutaragi apostou tudo nos CDs, que podiam armazenar muito mais dados. Enquanto a Nintendo focava no público infantil, ele mirou adolescentes e adultos.
E, talvez sua jogada mais brilhante: enquanto a Nintendo era conhecida por regras rígidas com desenvolvedores, Kutaragi criou um ambiente acolhedor, com royalties menores e processos mais simples para atrair criadores de jogos.
O resultado? O PlayStation, lançado em 1994, não apenas sobreviveu como dominou. Com mais de 100 milhões de unidades vendidas, vendeu três vezes mais que o Nintendo 64.
O PlayStation 2 foi ainda maior: 160 milhões de unidades, tornando-se o console mais vendido de todos os tempos.
Ken Kutaragi, o engenheiro que quase foi demitido por sua paixão por games, transformou-se no “Pai do PlayStation” e fez da divisão de videogames a mais lucrativa da Sony.

Dos jogos ao intraempreendedorismo
Essa história de Kutaragi não é apenas sobre videogames. É sobre ter a coragem de perseguir uma visão quando todos dizem que você está errado.
Bastou a determinação de fazer acontecer com a visão de um líder que apostou nessa jogada para transformar a Sony e toda a indústria de games. Tanto que até hoje Kutaragi é reconhecido como um dos maiores cases de sucesso de intraempreendedorismo, que nada mais é do que o ato de estimular os colaboradores a pensarem e agirem como empreendedores dentro das empresas em que já trabalham.
O intraempreendedorismo requer visão para enxergar oportunidades onde outros veem apenas problemas. Exige coragem para desafiar o status quo e persistência para superar obstáculos.
Dica do mentor
Leandro Queiroz é mentor aqui da Startup Academy, com experiência em desenvolvimento de projetos de intraempreendedorismo em grandes empresas como Unilever, Carrefour e Nestlé. Segundo ele, o estímulo desses desafios é ótimo para cultivar um mindset empreendedor nos colaboradores e trazem muitos benefícios.
“Uma das coisas mais riquíssimas que esses programas trazem além da realização, do contribuir, do sentir-se mais pertencente a empresa, é o aumento do relacionamento interno. Programas de intraempreendedorismo não impactam somente na inovação da empresa como também no comportamento do funcionário, trazendo novos modos de pensar.”
Mas, Leandro ainda aponta que não basta apenas querer criar o programa, ele precisa estar ligado diretamente à empresa e a ideia ser comprada por todos os níveis da organização:
“Só existe realmente um programa quando as ideias desenvolvidas pelos funcionários estejam vinculadas com as estratégias da empresa. É importante, principalmente, que a liderança abrace esses projetos.”
Mas a pergunta permanece: qual é o seu PlayStation? Qual é a ideia revolucionária que você guarda e que poderia transformar sua empresa ou até mesmo uma indústria inteira?
Uma dose a mais:
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